Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para a destruição.
E por isso, dizia, alisando os cabelos negros como quem alisa o pêlo macio e quente de um gatinho, por isso é que sua vida se resumia num monte de cacos: uns brilhantes, outros baços, uns alegres, outros como um "pedaço de hora perdida", sem significação, uns vermelhos e completos, outros brancos, mas já espedaçados.
Eu, na verdade, não sabia o que retrucar e lamentava não ter um gesto de reserva, como o seu de alisar o cabelo, para sair da confusão.
Eu, na verdade, não sabia o que retrucar e lamentava não ter um gesto de reserva, como o seu de alisar o cabelo, para sair da confusão.
No entanto, para quem leu um pouco e pensou bastante nas noites de insônia, é relativamente fácil dizer qualquer coisa que pareça profunda.
Eu lhe respondia que mesmo destruindo ele construía: pelos menos esse monte de cacos para onde olhar e de que falar.
Perfeitamente absurdo.
Ele, sem dúvida, também o achava, porque não respondia.
Ficava muito triste, a olhar para o chão e a alisar seu gatinho morno."
[Clarice Lispector]
2 comentários:
clarice é espetacular...kda texto q eu leio dela me faz ter mais certeza de que ela nasceu pra ser minha...
mas aposto que se ela fosse minha, ela não seria mais clarice...
estranho isso, porém tão simples..
=****
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